Bloodman

A 60 metros abaixo da superfície laminada do Atlântico, um punhado de espectros deslizava pelo leito oceânico em um movimento espasmódico, dobrando-se e desdobrando-se em um balé diluviano. Foram arrastados pela furiosa tempestade que atacava pelo alto, ainda juntos depois de avançarem quilômetros sobre um chão pedregoso. Em instantes, a leve inclinação do fundo do mar mudaria, a terra desapareceria lentamente na escuridão, e os espectros desmoronariam nas profundezas. Ali seriam resgatados pela corrente do golfo, arrastados até a Costa Leste, passando por Massachusetts, para finalmente desaguarem no Atlântico Norte. Talvez fossem consumidos pelas criaturas que nadam no mundo escuro de águas frias – talvez simplesmente apodrecessem e fossem esquecidos –, mas é certo que nunca mais seriam tocados pela luz do dia ou pelo calor do sol novamente. Destroços espalhavam-se no fundo do mar, ao redor deles, e os sons do mundo se esfacelando nos sulcos ecoavam logo acima. Um exército de móveis de jardim, cacos de telhas, madeira, pneus, uma velha boneca Barbie, sacos de golfe, uma geladeira amassada, telas a óleo, um Dodge Charger amassado acompanhavam as correntes oceânicas, direto para o mar. De todos os destroços, o Charger era o que se movia mais devagar, girando sem parar, já tendo perdido uma porta; seus faróis, de alguma maneira, ainda estavam acesos como os olhos de um robô morrendo. A Barbie era a que se movia mais rápido, permanecendo firme com a ajuda de seus flutuantes seios plásticos moldados por injeção e da bolha de ar aprisionada em sua cabeça velha e oca. Os espectros não recebiam nenhuma consideração ou tratamento especial da tempestade; colidiam com eletrodomésticos, batiam em rochas, eram deselegantemente cobertos por algas e sacolas plásticas, sofriam cortes e lacerações na pele, como os outros refugos. Mas, ao contrário dos destroços arrebanhados para o mar, eles não eram vítimas do furacão; foram criados por algo muito mais perverso e muito menos previsível do que o clima.