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Xamãs Elétricos na Festa do Sol

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Sinopse

O ouvido é o órgão do medo, Noa repetiu na noite em que subimos a cordilheira para ver os Xamãs Elétricos no páramo andino. Era a quinta edição do Festival Ruído Solar, um encontro de artistas sonoros que convidava poetas, músicos, dançarinos, musicômanos, pintores, performers e pessoas que diziam fazer de tudo, embora na verdade mal tentassem. Também era a primeira vez que fugíamos juntas, sem dinheiro, parando ônibus e pedindo carona a caminhões ao longo da estrada, sem outro plano a não ser desaparecer por sete noites e oito dias. Sete noites e oito dias de noise experimental xamânico, de música under pós-andina, de retrofuturismo thrash ancestral, contou-nos alguém que tinha voltado transformado pela experiência, um filósofo new age de quem roubamos oitenta dólares, uma revista de astrologia e três comprimidos de ecstasy. Vocês vão ver, vão ver, ele insistiu de olhos bem abertos, don Nietzsche já escreveu: o ouvido é o órgão do medo. Não entendemos sua euforia, mas o escutamos porque as montanhas tinham o que desejávamos encontrar. Eu havia acabado de sair de casa, Noa tinha pintado o cabelo de azul. Eram tempos ardentes, cheios de vontade de nos expandirmos para ocupar um espaço maior no mundo. Lembro-me do desejo. Lembro-me da sede. Pensamos que poderíamos saciá-la na paisagem engendrada por um vulcão. De acordo com o site da organização, a caravana partia de Quito e a viagem até o acampamento durava quatro horas. Saímos de Guayaquil para a capital cantando como sapos cansados de seu charco, ansiosas para deixar o rio e abraçar os vales, trocar os manguezais pelas espeletias, as iguanas pelos curiquingues. Ignorávamos como as mudanças podiam ser difíceis, a chaga que permanece em nós quando abandonamos o que é nosso. Ninguém vai embora do lugar onde alguma vez depositou sua atenção: a pessoa se afasta do lugar de origem levando consigo um pedaço dele. Noa tinha a mim, e eu a ela, ou assim pensávamos, acompanhando-nos na fuga, preparando a mochila uma da outra e escolhendo a música apropriada para antes da partida: “Miedo”, de Rita Indiana, porque nem os grilos dormiam tranquilos na cidade-pântano; “Me voy”, das Ibeyi, já que íamos felizes pois o céu nos movimentava. A música celebra a vida, dissemos, mas também traz à tona o pior, embora ainda nem pudéssemos imaginar isso.